Aconteceu há pouco em frente a minha casa. Uma história como muitas outras. Uma história que nunca deveria acontecer.
Meia noite e meia. Ouvi um carro fazer uma travagem brusca e berros de uma discussão. Levantei-me da minha secretária e olhei pela janela. Um carro preto e berros, muitos berros. Uma discussão de namorados. Com palavras feias.
Voltei à minha secretária e pensei: "arrufos de namorados... logo vão embora". Mas não foram e a discussão aumentou e, mesmo que não quisesse, a uns 30 metros de distância eu ouvia tudo. O rapaz saiu do carro. Cabelo cheio de gel, pronúncia cerrada do norte. Deu uns pontapés ao muro do jardim do meu vizinho. Chamou-lhe p****, gritou-lhe que estava farto que ela f****** a cabeça dele com os problemas dela. Fiquei incomodada. Muito incomodada. Tentei adivinhar-lhes a idade. Ele deveria ter pouco mais ou pouco menos de 20 anos. E ela deveria ser bem mais nova como é costume por aqui. Ele entrava e saía do carro. Dela só se ouvia o choro e uma voz entrecortada pela respiração ofegante que suplicava "não me deixes.. depois arrependes-te". Na rua o silêncio absoluto. Um ou outro vizinho acendia a luz. Verificava que era uma briga de um casal. Desligava a luz. Sentada na minha secretária tentava regressar ao Harrison, convencida que ainda iria acabar em reconciliação acalorada. Mas não conseguia pensar em nada. A cada momento condenava a atitude subserviente da miúda e o traste do rapaz. E pensava na generalidade dos casais que conheço. Em quantos deles aconteceriam estas discussões com agressões verbais gravíssimas? E pensava em mim, claro. Pensava em como em quase 3 anos de um namoro nunca tinha acontecido uma voz mais alta, ou uma palavra mais feia. Discussões e desentendimentos foram vários. Humilhação nunca. Assim estava a questionar e a reflectir sobre as razões que levariam uma pessoa a aceitar tal humilhação e ainda a implorar para que a relação continuasse. As vozes acalmaram-se. Sosseguei. De repente ouço berros de desespero. Levanto-me e vou novamente à janela. Ele estava do lado de fora do carro a puxá-la para ela sair e ela não saía. Considerei que aquilo já era abuso físico e resolvi intervir. Vejo, incrédula, ele a puxá-la e a atirá-la para o passeio. Desço as escadas numa correria, desligo o alarme, acendo as luzes do jardim, abro o portão e ainda tenho tempo de a ver deitada em cima do capot do carro. Ele a ameaçar que vai arrancar e que passa por cima dela. Já ia a sair do portão quando o ouço dizer: "então entra no carro que eu levo-te a casa". Paro. Ela parece aliviada e já estava a dirigir-se para a porta do carro quando ele arranca. A rapariga grita, esbraceja, corre atrás do carro. Ele não volta. Ela senta-se no passeio. Vou perto dela e pergunto-lhe se ela quer que eu a leve a casa. Ela a chorar compulsivamente diz que não. Dou-lhe o meu telemovel e digo para ela ligar para alguém a vir buscar. Ela diz que não quer. Nela tudo é fúria agora. Diz-me: "se ele me deixou aqui é aqui que ele me vem buscar". Eu ainda começo com "não é boa ideia.. é melhor conversarem depois.. " Continuo a insistir que a levo a casa ou então para ela ligar para alguém. Não me parece que ela tenha mais que 16 anos. Excessivamente maquilhada, vestido de verão demasiado curto, stilletos. Digo para pelo menos, ela esperar por ele no meu jardim, para não ficar no meio da rua assim. Não adianta. Ela atira-me um "deixa-me sozinha". E eu respeito. Antes digo-lhe que se ela mudar de ideias para tocar na minha campainha. E regresso a casa. Enquanto estou a escrever este post a miúda continua sentada no passeio, sozinha e certamente com frio. O rapaz não voltou. Passaram alguns carros que abrandaram, talvez tomando-a como uma prostituta. Ela não desarma e continua ali. Demasiado orgulhosa agora. Como gostaria que ela tivesse sido mais orgulhosa há pouco na discussão. Como eu gostaria que fosse menos orgulhosa agora.
Meia noite e meia. Ouvi um carro fazer uma travagem brusca e berros de uma discussão. Levantei-me da minha secretária e olhei pela janela. Um carro preto e berros, muitos berros. Uma discussão de namorados. Com palavras feias.
Voltei à minha secretária e pensei: "arrufos de namorados... logo vão embora". Mas não foram e a discussão aumentou e, mesmo que não quisesse, a uns 30 metros de distância eu ouvia tudo. O rapaz saiu do carro. Cabelo cheio de gel, pronúncia cerrada do norte. Deu uns pontapés ao muro do jardim do meu vizinho. Chamou-lhe p****, gritou-lhe que estava farto que ela f****** a cabeça dele com os problemas dela. Fiquei incomodada. Muito incomodada. Tentei adivinhar-lhes a idade. Ele deveria ter pouco mais ou pouco menos de 20 anos. E ela deveria ser bem mais nova como é costume por aqui. Ele entrava e saía do carro. Dela só se ouvia o choro e uma voz entrecortada pela respiração ofegante que suplicava "não me deixes.. depois arrependes-te". Na rua o silêncio absoluto. Um ou outro vizinho acendia a luz. Verificava que era uma briga de um casal. Desligava a luz. Sentada na minha secretária tentava regressar ao Harrison, convencida que ainda iria acabar em reconciliação acalorada. Mas não conseguia pensar em nada. A cada momento condenava a atitude subserviente da miúda e o traste do rapaz. E pensava na generalidade dos casais que conheço. Em quantos deles aconteceriam estas discussões com agressões verbais gravíssimas? E pensava em mim, claro. Pensava em como em quase 3 anos de um namoro nunca tinha acontecido uma voz mais alta, ou uma palavra mais feia. Discussões e desentendimentos foram vários. Humilhação nunca. Assim estava a questionar e a reflectir sobre as razões que levariam uma pessoa a aceitar tal humilhação e ainda a implorar para que a relação continuasse. As vozes acalmaram-se. Sosseguei. De repente ouço berros de desespero. Levanto-me e vou novamente à janela. Ele estava do lado de fora do carro a puxá-la para ela sair e ela não saía. Considerei que aquilo já era abuso físico e resolvi intervir. Vejo, incrédula, ele a puxá-la e a atirá-la para o passeio. Desço as escadas numa correria, desligo o alarme, acendo as luzes do jardim, abro o portão e ainda tenho tempo de a ver deitada em cima do capot do carro. Ele a ameaçar que vai arrancar e que passa por cima dela. Já ia a sair do portão quando o ouço dizer: "então entra no carro que eu levo-te a casa". Paro. Ela parece aliviada e já estava a dirigir-se para a porta do carro quando ele arranca. A rapariga grita, esbraceja, corre atrás do carro. Ele não volta. Ela senta-se no passeio. Vou perto dela e pergunto-lhe se ela quer que eu a leve a casa. Ela a chorar compulsivamente diz que não. Dou-lhe o meu telemovel e digo para ela ligar para alguém a vir buscar. Ela diz que não quer. Nela tudo é fúria agora. Diz-me: "se ele me deixou aqui é aqui que ele me vem buscar". Eu ainda começo com "não é boa ideia.. é melhor conversarem depois.. " Continuo a insistir que a levo a casa ou então para ela ligar para alguém. Não me parece que ela tenha mais que 16 anos. Excessivamente maquilhada, vestido de verão demasiado curto, stilletos. Digo para pelo menos, ela esperar por ele no meu jardim, para não ficar no meio da rua assim. Não adianta. Ela atira-me um "deixa-me sozinha". E eu respeito. Antes digo-lhe que se ela mudar de ideias para tocar na minha campainha. E regresso a casa. Enquanto estou a escrever este post a miúda continua sentada no passeio, sozinha e certamente com frio. O rapaz não voltou. Passaram alguns carros que abrandaram, talvez tomando-a como uma prostituta. Ela não desarma e continua ali. Demasiado orgulhosa agora. Como gostaria que ela tivesse sido mais orgulhosa há pouco na discussão. Como eu gostaria que fosse menos orgulhosa agora.
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